terça-feira, janeiro 31, 2006

Um país em mudança

O casamento entre duas mulheres, marcado para quarta-feira, 1 de Fevereiro, na 7ª Conservatória do Registo Civil, em Lisboa, é muito mais do que um caso mediático...

Teresa e Lena, de 28 e 35 anos, respectivamente, são a prova de que existe uma sociedade viva, que não se conforma com a proibição do casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo.
Certas da força e da razão do articulado constitucional, nomeadamente do artigo 13º, que proíbe qualquer tipo de discriminação com base na orientação sexual, ambas decidiram correr o risco de conquistar o direito a casar.
Sem esperar pela resposta à petição entregue no Parlamento, no passado dia 23, que reuniu mais de quarto mil assinaturas, Teresa e Lena decidiram enfrentar, com a cara destapada, os poderes instalados, que insistem nos tiques marialvas, apesar da fina camada de verniz liberal.
Este casamento é muito mais do que um acto de amor.
É um sinal de que existe, em Portugal, uma sociedade que não encontra resposta nos partidos políticos, que hipocritamente continuam a varrer para debaixo do tapete uma questão de civilização.
Enquanto a classe dirigente se contenta com umas viagens a Paris, a Londres e a Nova Iorque para reivindicar o estatuto de elite cosmopolita, as grandes causas da sociedade civil continuam a passar-lhe completamente ao lado.
O desafio a quem persiste em tentar deixar apodrecer mais uma questão incómoda constitui um sinal de esperança.
Tal como a candidatura de Manuel Alegre, que seduziu mais de um milhão de portugueses, a opção pública de duas jovens homossexuais representa uma cidadania revigorada, um país em mudança.
Apesar dos esforços de alguns, em justificar o injustificável, a verdade é que existe uma parte da sociedade que está farta do actual status quo, engordado à custa do moralismo reinante e dos negócios que tresandam a corrupção e a tráfico de influências.
A defesa da igualdade de direitos para os casais homossexuais nem é de esquerda nem é de direita: é uma questão de liberdade.
Os sonhos das duas jovens merecem a atenção e uma resposta de todos, nomeadamente dos que têm responsabilidades legislativas e governativas.A vida das pessoas é mais importante do que as manobras dilatórias e politiqueiras
Fonte: Visão

sábado, janeiro 28, 2006

RETALHOS - O frio da realidade I

A fase final da preparação de um Combatente Pára-quedista, é dedicada a simular, em condições adversas e semelhantes ao da guerra no ultramar, uma operação militar que ocorrem nas três frentes de batalha em África. Visa o último teste de aperfeiçoamento, de forma a pôr em prática todos os conhecimentos adquiridos ao longo destes sete meses.
O dia começou frio, como a noite não dormida, como é habitual na viagem de fim-de-semana. Lá estavam as Berliet’s, – as viaturas, de origem francesa e montadas no Tramagal, mais usadas no transporte de tropas – alinhadas ao longo do arruamento que aponta para a porta de armas, à nossa espera para nos embrulhar no seu aço frio.
A ração de combate, para quatro dias, estava bem aconchegada na mochila. Tudo era enlatado: feijão, sardinhas, bolachas da manutenção militar, ladrilhos de marmelada, chocolate em bisnagas como se fossem pastas de dentes, água enlatada no cantil. Até eu me sentia também enlatado dentro daquele camuflado, modelo PQ qualquer coisa, com uma dúzia de bolsos de coisa nenhuma. Tudo ia na minha casa ambulante – a mochila – e ainda a manta e a capa para dormir, bem enrolada em forma de “U” invertido. A isso juntava a G3 carregada com munições de madeira.
Surgiu o Capitão Gomes, já completamente ataviado com ar de guerrilheiro. Abandonou o ar de bonacheirão, adoptando agora aquela expressão dura, com o olhar penetrante e atento, capaz de penetrar no íntimo de cada soldado, mercê da sua larguíssima experiência adquirida na guerra.
E um a um lá gritavam os comandantes de pelotão até chegar ao meu grupo:
“ - Dá licença meu capitão, 7º pelotão pronto.” - Gritou com voz firme o Sargento.
De forma ordenada, fomos subindo para aquelas máquinas de aço frio e pouco cómodas, onde se acomodaram trinta futuros combatentes.
Ainda o dia não tinha despontado e já se notavam, no horizonte, nuvens escuras de chuva que aliadas à penumbra tornavam o ambiente ainda mais gélido. Saímos à porta de armas do Regimento, com a sentinela bem perfilada.
O comboio militar virou à direita ficando, à esquerda, a Base Aérea nº 3, onde descansavam os nossos amigos Noratlas, e o ainda velhinho Ju-52, velhos conhecidos, dos saltos no Arripiado.
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sexta-feira, janeiro 27, 2006

Vou me alistar novamente nos Pára-quedistas


Vou me alistar novamente nos Pára-quedistas e não estou maluco, não senhor. Contando com camaradas d'armas deste calibre e com este poder de fogo, claro que vou...


Espreitem e verão que tenho razão.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Austeridade: reformados famosos

Reforma ao fim de 5 anos de serviço

Estão nesta situação o ex-deputado do Partido Comunista Português, Octávio Teixeira, aposentado como consultor com o nível 18a desde Dezembro de 2001, que recebe uma pensão de 2385 euros por mês, o presidente do Conselho Fiscal do Benfica, Walter Marques, reformado do banco desde Dezembro de 1991 com o mesmo estatuto do ex-deputado comunista e o fiscalista Diogo Leite Campos, que se reformou como administrador em 23 de Fevereiro de 2000.
Um caso ‘sui generis’ aconteceu com o ex-ministro das Finanças, Bagão Félix. Trata-se do único quadro superior (foi vice-governador) do Banco de Portugal que foi exonerado pelo ministro das Finanças (Eduardo Catroga) e que não aceitou a reforma a que tinha direito. “Entrei para o banco em Fevereiro de 1992 e fui exonerado em Junho de 1994 na sequência do caso Banesto. Saí sem indemnização, sem pensão e sem emprego”, disse Bagão Félix ao CM.
As normas que regem as pensões de reforma do Conselho de Administração do Banco de Portugal têm, no seu ponto 4.º, uma “garantia de reforma” que estipula o seguinte: “O Banco de Portugal, através do seu Fundo de Pensões, garantirá uma pensão de reforma correspondente ao período mínimo de cinco anos, ainda que o membro do Conselho de Administração cesse funções, a qualquer título”.
As pensões atribuídas aos membros do Conselho de Administração do Banco Central são actualizadas, a 100 por cento, na base da evolução das retribuições dos futuros Conselhos de Administração, sem prejuízo dos direitos adquiridos, especifica o ponto 6 das referidas normas.
O ponto 7 regula a cumulação de pensões, consagrando a possibilidade de, “obtida uma pensão de reforma do Banco de Portugal, o membro do Conselho de Administração pode obter nova pensão da Caixa Geral de Aposentações [CGA], ou de outro qualquer regime, cumulável com a primeira”. No entanto, a parte da nova pensão correspondente aos anos de serviço que já tenham sido contados para a reforma concedida pelo banco deverá ser restituída.
Para além da pensão, os membros reformados do Conselho de Administração gozam de todas as regalias sociais concedidas aos administradores no activo (carro e cartão de crédito) e também aquelas dadas aos trabalhadores da instituição.
DOIS JAGUAR A CAMINHO
A frota de automóveis do Banco de Portugal é de fazer inveja a muitos ministérios. Os contratos de ‘leasing’ das viaturas têm a duração de três anos, sendo os modelos renovados após esse período. Recentemente, foi divulgado que a administração encomendou no passado mês de Dezembro seis nova viaturas; três Volkswagen Passat, dois Audi A4 e um Mercedes classe E. No entanto, o CM sabe que, a somar a estes estão também encomendados dois Jaguar que deverão ficar adstritos a directores da instituição. Recorde-se que, segundo um estudo realizado pelo ‘Central Banking Journal’, o Banco de Portugal é a terceira instituição de supervisão que mais gastos tem com pessoal em percentagem do PIB (0,08 por cento) entre os 30 países da OCDE, só superado pelo banco grego e islandês.
ALGUNS DOS REFORMADOS DO BANCO CENTRAL
Nome: Campos e Cunha
Cargo que ocupava: Vice-governador
Início da reforma: 2002, por cessação de funções
Valor da reforma: 8000 euros
Nome: Tavares Moreira
Cargo que ocupava: Técnico consultor de nível 18c
Início da reforma: 1 de Junho de 1999 – negociada
Valor da reforma: 3062 euros
Nome: Miguel Beleza
Cargo que ocupava: Técnico consultor de nível 18c
Início da reforma: 1 de Novembro de 1995 – negociada
Valor da reforma: 3062 euros
Nome: Cavaco Silva
Cargo que ocupava: Técnico consultor de nível 18b
Início da reforma: 15 de Julho de 2004 – por limite de idade
Valor da reforma: 2679 euros
Nome: Octávio Teixeira
Cargo que ocupava: Técnico consultor de nível 18a
Início da reforma: 1 de Dezembro de 2001 – negociada
Valor da reforma: 2385 euros
Nome: Ernâni Lopes
Cargo que ocupava: Técnico consultor de nível 18
Início da reforma: 1 de Setembro de 1989 – negociada
Valor da reforma: 2115 euros
Nome: Rui Vilar
Cargo que ocupava: Técnico consultor de nível 18b
Início da reforma: [n.d.]
Ocupa o cargo de presidente do Conselho de Auditoria
Valor da reforma: N.D.
Nome: António de Sousa
Cargo que ocupava: Administrador de nível I
Início da reforma: 23 de Fevereiro de 2000 – Regime dos Membros do Cons. Adm.
Valor da reforma: N.D.
Fonte: Correio da Manhã

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Num jardim a comer o rabo de uma gatinha...

Cuidado com os maníacos!
No caso apresentado de seguida o meliante estava num jardim a comer o rabo de uma gatinha...

Vejam a cara de felicidade e satisfação do tarado, que ficou completamente insensível à dor da pobre vítima:

Passem com o rato pela imagem abaixo para ver (pode demorar um pouco)!

Cuidado almas sensíveis! Podeis sofrer um grande abalo.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

RETALHOS - A vermelhinha

Dos “duzentos paus” que a minha mãe me dava, por semana, e descontando os 110$00 que a CP cobrava por um bilhete militar de Viana ao Entroncamento (ida e volta), era com “noventa paus”, por semana, que eu tinha que me desenrascar para o tabaco, para as cartas e selos, e já pouco sobrava para as cervejolas.
Conhecia as dificuldades da vida, e era sabedor da luta, diária, que minha mãe, analfabeta, mas com um sentido arguto para o negócio, travava na sua loja de ferro-velho, para poder juntar “algum” para os dois filhos, que estavam na tropa, e, ambos, teimavam em vir a casa todos os fins-de-semana.
Nunca me aventurei em jogar à batota, por não ter muito jeito, por medo de perder o pouco pecúlio, mas também porque não tinha massa para arriscar. Alguns camaradas (sempre que o cabo ou sargento de dia, não estivesse por perto) aproveitavam as horas mortas para jogar à "lerpa" a dinheiro ou a tabaco. Os menos instruídos nessa arte jogavam ao montinho e os mais reguilas, das grandes cidades, mais habituados a levarem os outros por lorpas, arriscavam a jogar à vermelhinha. Eu arrisquei uma vez e serviu-me de emenda para toda a vida.
A vermelhinha era um jogo de cartas, da mais pura batota, e que ainda se vê, um pouco à socapa, por feiras e romarias depenando os incautos. Consistia em escolher uma dama de um naipe vermelho (daí o nome Vermelhinha), entre duas outras cartas de naipe preto. O jogador, batoteiro, mostrava previamente onde estava a dama e, depois de manipular as cartas com grande velocidade, convidava a vítima a tentar descobri-la. Para servir de isco havia sempre um cúmplice. Este jogava e acertava quase sempre e até nos “ajudava” quando o batoteiro fingia uma pequena distracção. Indicava-nos onde devíamos apostar, chamando-nos a atenção para o facto da dama estar marcada com uma pequena dobra num dos cantos. Ganhei a primeira vez, o que a mim, e a outros incautos, me levou a apostar mais forte de seguida. Mas joguei pouco.
O papalvo do Marques lá começou a jogar, tendo escolhido de imediato a carta marcada. Só que a carta marcada era afinal um Às de espadas! Como é que isto podia ter acontecido?
O Júlio Maia, colega mais antigo e por sinal também de Viana do Castelo, onde chegámos a trabalhar juntos numa fábrica de boinas, a CEDEMI – que para além de fornecer as boinas aos militares também era conhecida pela paixão e dedicação ao ciclismo - não chegou a ir á guerra, tendo se especializado na dobragem e manutenção dos pára-quedas, Na sua farda amarela imponente, depois de me deixar perder outra vez, chamou-me de lado e disse:
“- Zé, deixa-te dessas merdas, esse jogo é só para perder dinheiro. Ninguém ganha. Repara naquele “Pára”.” – Referindo-se de forma abreviada a um pára-quedista.
“ – Aquele tipo é o cúmplice, está ali para vos sacar a massa. Deixa-te de ser parvo e gasta mas é o dinheiro numas cervejolas que tem mais interesse. Anda daí, vamos ao bar. Esses gajos são uns filhos da puta, quando baterem com os cornos, em Angola, vão aprender o valor da amizade. Foge deles.” – disse o Maia.
E lá me explicou que naquele jogo era quase impossível alguém ganhar. Havia muitos truques que o batoteiro podia fazer, incluindo, naturalmente, o truque de, disfarçadamente, desmarcar o canto da dama, para marcar o de uma das outras cartas de naipe preto. O dito cúmplice do batoteiro, quando me deu a dica, sobre a marca, era mesmo no sentido de me “ajudar” a esvaziar os bolsos.
Aprendi a lição: no jogo da vida, ganha quem tiver amigos e cúmplices, que nem sempre são fáceis de descobrir. Na situação real de jogo, os ganhos afinal seriam partilhados com o amigo, que era, para efeitos de demonstração da «teoria da amizade» o seu verdadeiro cúmplice naquele jogo.
É evidente que, a maior parte das vezes, acabava tudo à batatada, num espírito “fraterno” em que ninguém, naquele quartel, se incomodava em acalmar os ânimos. Sempre achei que isso já fazia parte da instrução no sentido de nos brutalizar.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

RETALHOS - Irmãos de guerra II

Mais dois irmãos da guerra localizados. Podem acreditar, mas aqui o Simon Wiesenthal (minhoto), vai apanha-los a todos. E vão se a ver comigo, por terem andado tanto tempo, 33 anos, sem darem notícias.
Já somos 8, a saber:
José Marques, Cerqueira Ramos, Tino Martins, José Lima, Jorge Viana e Fiúza Casimiro.
E agora: Manuel Cunha e António Alves.

terça-feira, janeiro 17, 2006

RETALHOS - Corpos amputados II (fim)

Em Dezembro de 1961, cinquenta mil tropas indianas, apoiadas por blindados, artilharia, meios aéreos e navais, ocuparam militarmente Goa, Damão e Diu. Os 3500 militares portugueses e goeses tinham ordens de Salazar para lutar até à morte, tendo o ditador português comunicado que só esperava, como resultado do combate, "militares vitoriosos ou mortos". Ao contrário do que se esperava, as tropas Indianas ainda se depararam com a resistência de alguns militares portugueses, nomeadamente em Vasco da Gama, onde 500 militares, fortemente armados, obrigaram as forças indianas a combater.
Com o rebentamento da guerra, nas colónias portuguesas, era evidente o apoio que faltava aos militares em situação de guerra. Não se previram situações, tais como: a morte; a incapacidade; a pensão de sangue; a trasladação dos corpos; o aprisionamento ou a captura de militares em operações; o pagamento de vencimentos: a distribuição de correspondência; as licenças de férias, entre outras. Aqueles que sofreram graves mutilações, no teatro de operações ou em acções de preparação para o combate, constituem a face mais visível da Guerra Colonial e, em certo sentido, aquela que a sociedade portuguesa tem tido mais dificuldade em encarar. Assim, se foi constituindo um exército de deficientes, que não parou de aumentar, formado por jovens que, na força da vida, se viram amputados, cegos, com doenças internas graves, doentes da mente, com futuro incerto e que ainda hoje vemos alguns a vaguear nas cidades, vilas e aldeias do nosso país, como almas perdidas sem abrigo.
Foram considerados «inválidos». Muitos deles sofreram duplamente a sua deficiência ao se tornarem, durante muito tempo, um pesado fardo para as famílias. Os hospitais militares foram, no início, para muitos um refúgio, mas também o depósito onde os corpos amputados, os homens em cadeira de rodas ou os cegos, tropeçando, se mantiveram longe da vista da sociedade, porque, oficialmente, Portugal não estava, oficialmente, em guerra e a sua visibilidade poderia motivar interrogações incómodas, para o regime, sobre a realidade do que se passava nas frentes de combate.
Estava eu a conversar com o “Risotas”, sobre a guerra e perguntei-lhe:
- “E os nossos militares deficientes, que será feito deles?”
Pela primeira vez o vi com a voz um pouco embargada:
- “Marques, nem me fales nessa merda, prefiro ficar lá de vez”. – E acrescenta:
- “A guerra é nojenta, e o que ela nos tira, quando não nos tira a vida, nunca mais devolve.”
Na retaguarda, iam aumentando os caixões, daqueles cujas famílias tinham possibilidade de pagar a trasladação dos corpos (os outros foram, durante os primeiros anos, enterrados nas zonas de combate) e os feridos, que se acumulavam nos hospitais militares que eram pequenos, incapazes e não adaptados para os feridos em operações de guerra.
Poder vir a engrossar o exército de deficientes era o medo, que muitas vezes, me roubou o sono.

domingo, janeiro 15, 2006

RETALHOS - Irmãos de guerra

Ao fim de 33 anos, e depois de várias tentativas, consegui juntar seis antigos combatentes pára-quedistas e companheiros de várias jornadas em especial as vividas em teatro de guerra na então província ultramarina, hoje Republica Popular de Angola.
Unidos pelo espírito de sã camaradagem e autênticos irmãos da guerra como tantos outros que conheci e que gostava e tudo farei por reaver. Tal como Simon Wiesenthal, o sobrevivente do Holocausto, que
dedicou a sua vida a trazer perante a justiça criminosos nazis, vamos desenvolver todos os esforços para juntar estes homens que nas agruras da guerra, souberam cultivar a amizade e a fraternidade.
Para registo aqui ficam os nomes da primeira meia dúzia ( José Marques, Cerqueira Ramos,Tino Martins, José Lima, Jorge Viana (ausente) e Fiúza Casimiro

sexta-feira, janeiro 13, 2006

RECORDO AINDA

Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

Mario Quintana

quarta-feira, janeiro 11, 2006

RETALHOS - Corpos amputados I

Como tantos outros meus colegas, nessa noite não preguei olho. Só me vinha à memória o acidente que despegou a vida ao militar que nos instruía e nos preparava para a guerra. Apesar de não termos presenciado directamente o acidente, e por falta de informação oficial, as vozes da caserna eram demolidoras e abalaram, um pouco, a nossa força mental, que vinha sendo cimentada desde o primeiro dia. Com o aproximar do sono, acercou-se uma estranha dor de cabeça, fruto da realidade acordada que fervilhava com as vozes da caserna, com o sono mal dormido a querer-se aproximar da barreira do som do pesadelo.
Nessa noite, recusava-me a dormir e lembrei todos os momentos: todos os sacrifícios; todas as lutas constantes para me conseguir superar e todo o suor, o sangue e as lágrimas vertidas. O problema de desistir, nesta altura, já não se punha nem o permitiam e, se a ida para a guerra era uma inevitabilidade, então só me restava olhar e seguir em frente.
Procurei aprender com os erros, e estes, em situações limite, podem retumbar em erros fatais. Aprendi que errar é uma experiência dolorosa (por vezes física e irremediável), é na frustração e no desconforto, inerente ao erro, que se fixa a memória da lição adquirida.
Muita coisa me passou pela cabeça nas noites seguintes. Durante o dia, o Curso de Combate absorvia-me por completo, ia adquirindo conhecimentos de forma a me preparar técnica e operacionalmente para a guerra. No fim da instrução militar, recolhia à caserna e, depois de um retemperador banho, aproveitava sempre para escrever à família, procurando sossegá-la fazendo o inverso do esperado, ou seja, era eu que a animava dando sempre, uma imagem mais colorida, desta minha estadia no serviço militar.
As minhas noites eram mal dormidas derivadas ao cansaço físico. Comparado com os meus camaradas não era tão forte, pois só conseguia superar as actividades, de ordem física, atingindo os limites das minhas reservas. Já mentalmente era forte e determinado, nunca desistindo, transmitindo força anímica aos colegas que, antes, me tinham ajudado.
A partir dessa altura, comecei a interessar-me pelas coisas da guerra e fiquei a saber das dificuldades sentidas pelas nossas Forças, no início da guerra em África, e que as Forças Armadas foram apanhadas impreparadas para fazer face à guerra, trazida pelos ventos que já sopravam desde os anos 40, nas colónias de outros países europeus.
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sábado, janeiro 07, 2006

RETALHOS - Preparação para a guerra III (fim)

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No retorno, cruzei-me com o Jorge, meu amigo de infância, que por ser “rodas baixas” ia na parte da frente do grupo e com o olhar me queria dizer:
- “Zé, se eles conseguem nós também vamos conseguir.”
Como sempre, o Jorge tinha razão, conseguimos esse e todos os que se seguiram. Nesta fase da instrução já não havia lugar a desistências, antes quebrar que torcer.
E alguns quebraram mesmo, como veio acontecer, num exercício numa zona de vegetação traiçoeira, em que se “brincava” às emboscadas.
De um lado, os supostos Turras, (designação que se dava aos combatentes dos movimentos de libertação em África) na pele dos instrutores muito experientes. Do outro lado nós, instruendos que andávamos a aprender a combater sempre num ritmo intenso, forjado no esforço físico e sacrifício, num ambiente muito próximo do perigo, da incerteza e do acaso.
Os “turras” com bala real e nós com bala simulada de madeira numa velhinha Mauser. Às duas por três deu-se o contacto, entre dois camaradas divididos pelo exercício mas irmanados na mesma causa. O “Turra” surgiu de repente, detrás de uns arbustos, provavelmente ainda extasiado pela guerra de onde tinha regressado há poucos meses, e procurou a luta corpo a corpo, no intuito de dar uma sova ao instruendo. Mas para mal dele e sofrimento de todos, a Mauser encostou-se ao peito dele e disparou-se, vomitando uma bala de madeira que lhe rebentou as entranhas. Foi atingido mortalmente um combatente acabado de regressar da guerra em Moçambique, onde tinha resistido e sobrevivido às mais perigosas operações de combate.
Para nós foi mais um tiro entre tantos, que cruzavam por cima das nossas cabeças e mal nos apercebemos da tragédia. Tudo continuou como se nada tivesse acontecido. A ordem era avançar sempre, pois são situações que podem surgir na guerra a sério e temos sempre que encarar, resistir e seguir em frente. O exercício continuou, revelando já que todos eram muito fortes psicologicamente, com concentração redobrada, mostrando, da pior maneira, que estávamos quase prontos para enfrentar situações de todo o tipo e seguir em frente cumprindo as missões necessárias em teatro de guerra.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

RETALHOS - Preparação para a guerra II

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- “Este curso de combate que agora inicia, terminará a 18 de Dezembro, a tempo de poderem ter alguns dias de férias junto de vossas famílias.”
Como o silêncio imperava, nem podia comentar nada com o Risotas, que ali estava ao meu lado direito, firme e hirto, naquela pose de soldado de chumbo que contrastava com a sua habitual boa disposição. Dei comigo a pensar novamente:
- “Puta de vida, nesse dia fará um ano inteirinho que vim a testes e fiquei apurado para Pára-quedista. Se soubesse o que sei hoje… não era o filho da senhora Maria que apanhavam cá.”
E lá continuava o Comandante…
- “Ficarão prontos a demonstrar técnicas de combate que garantam o movimento, a acção de fogo e protecção em segurança, demonstrando também técnicas de transposição de obstáculos e desníveis, e cursos de água com recurso a cordas e outros meios”.
Estávamos em posição de descanso - o que é uma treta, pois estar de pé com as pernas abertas mas sem as poder movimentar, braços atrás das costas mas sem os poder mexer, sem poder falar, coçar ou olhar para o lado. – não será nem uma posição confortável.
Quase ao fim de uma hora de discurso, acho que falava, falava mas já ninguém o ouvia. Até que, finalmente, mandou destroçar, dando de presente quinze minutos de intervalo, mas avisando:
- “Tudo o que aqui vos disse, vai ser exigido nos próximos três meses, não vos prometo tarefas fáceis. Vão ser levados ao limite das vossas possibilidades físicas e psicológicas” - terminou gritando:
- “INSTRUÇÃO DURA”
- “COMBATE FÁCIL “ - gritou toda a companhia a plenos pulmões
Depois desta prelecção, que mais não era que guerra psicológica de forma a disseminar ideias chave do que nos esperava, percebi claramente que agora iria ser a sério. Até que o Cunha, (o baixote com cara de cigano mas com uma energia incrível, mais conhecido pelo Braga, por ser duma freguesia (Palmeira) limítrofe a Braga, cidade dos arcebispos,) veio com a novidade:
- “Acho, pelo que me contaram, e pelo paleio do nosso capitão, que esta companhia vai bater com os cornos na Guiné. Aposto com quem quiser.”
- “Quem é que te enfiou essa merda na cabeçorra?” – protesto eu, pois a guerra na Guiné não era para brincadeiras.
- “Para além das baixas, a Guiné não interessa nem ao Menino Jesus” – tentava eu contrariar, como se ainda fosse dono de mim e do meu destino.
Sem darmos conta do tempo, (até acho que os relógios dos tipos não funcionavam bem) já chamavam por nós para a formatura.
- “Como estiveram a descansar ouvindo o nosso capitão, vamos gastar um pouco essas energias acumuladas no fim-de-semana” – dizia o nosso sargento.
Para petisco foi servido um crosse com uma dezena de quilómetros, de tronco nu na estrada que separava a Base Aérea Nº3 e o nosso quartel, lá fomos palmilhar estrada ao som do bater das botas militares, que iam aumentando de peso na proporção de metros percorridos, com o suor a incomodar e a arder nos olhos.
- “Esse cabrão nunca mais vira”- dizia o Risotas atrás de mim, pois quanto mais nos afastávamos, mais tínhamos que calcorrear no retorno.
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domingo, janeiro 01, 2006

A ti não...

Fecho os olhos para a vida
E pondero na minha amargura
Ouço tuas palavras,
Teus sentimentos
Em todas as pedras da rua!
Levanto-me desta cadeira
Que tanto conforto me consagrou…
Que me abraçou e acariciou
E em seu regaço onde chorei
Tantos minutos passei
Imaginando ser o teu.
Pego em mais um cigarro
Divago em cada inspiração
Revejo cada olhar,
Cada carta
Cada carência de afeição.
E hoje compreendo…
Fui forçada a entender…
Que só amando a mim mesma,
É que consigo viver.
Amo as gotas da chuva
Que banham meu coração…
Amo a minha filha,
Os meus pais,
Amo os meus irmãos!
Amo tudo, amo todos
Que habitam em meu coração!
Só a ti que me apunhalaste.
A ti é que NÃO.
Não guardo rancor…
Nem te concedo perdão!
Mas não quero, nem consigo
Absolver essa questão!
Agora que sei o que sinto.
Que escutei meu coração
Posso declarar veemente
- Tenho amor para toda a gente !
Só para ti é que NÃO!

Barbara Duarte