quarta-feira, janeiro 11, 2006

RETALHOS - Corpos amputados I

Como tantos outros meus colegas, nessa noite não preguei olho. Só me vinha à memória o acidente que despegou a vida ao militar que nos instruía e nos preparava para a guerra. Apesar de não termos presenciado directamente o acidente, e por falta de informação oficial, as vozes da caserna eram demolidoras e abalaram, um pouco, a nossa força mental, que vinha sendo cimentada desde o primeiro dia. Com o aproximar do sono, acercou-se uma estranha dor de cabeça, fruto da realidade acordada que fervilhava com as vozes da caserna, com o sono mal dormido a querer-se aproximar da barreira do som do pesadelo.
Nessa noite, recusava-me a dormir e lembrei todos os momentos: todos os sacrifícios; todas as lutas constantes para me conseguir superar e todo o suor, o sangue e as lágrimas vertidas. O problema de desistir, nesta altura, já não se punha nem o permitiam e, se a ida para a guerra era uma inevitabilidade, então só me restava olhar e seguir em frente.
Procurei aprender com os erros, e estes, em situações limite, podem retumbar em erros fatais. Aprendi que errar é uma experiência dolorosa (por vezes física e irremediável), é na frustração e no desconforto, inerente ao erro, que se fixa a memória da lição adquirida.
Muita coisa me passou pela cabeça nas noites seguintes. Durante o dia, o Curso de Combate absorvia-me por completo, ia adquirindo conhecimentos de forma a me preparar técnica e operacionalmente para a guerra. No fim da instrução militar, recolhia à caserna e, depois de um retemperador banho, aproveitava sempre para escrever à família, procurando sossegá-la fazendo o inverso do esperado, ou seja, era eu que a animava dando sempre, uma imagem mais colorida, desta minha estadia no serviço militar.
As minhas noites eram mal dormidas derivadas ao cansaço físico. Comparado com os meus camaradas não era tão forte, pois só conseguia superar as actividades, de ordem física, atingindo os limites das minhas reservas. Já mentalmente era forte e determinado, nunca desistindo, transmitindo força anímica aos colegas que, antes, me tinham ajudado.
A partir dessa altura, comecei a interessar-me pelas coisas da guerra e fiquei a saber das dificuldades sentidas pelas nossas Forças, no início da guerra em África, e que as Forças Armadas foram apanhadas impreparadas para fazer face à guerra, trazida pelos ventos que já sopravam desde os anos 40, nas colónias de outros países europeus.
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8 comentários:

Anónimo disse...

Olá

É bom ver como está a escrever, mesmo onde existe teus sentimentos, consegue ser claro e objetivo no passar sua estoria.
Acho k já falei, mas não custa repetir, é sempre muito bom ouvir a estoria de km a viveu e não de km foi espectador apenas.
Não conheço nada desta guerra, mas adoro vir ler suas crônicas.
Parabéns
Um bjo

Anónimo disse...

Olá!
Faz dias deixei um coment no teu space, mas só mais tarde é que a Barbara me disse que raramente passas por lá. Por isso vim aqui, para te desejar um bom ano e uma boa semana. Bjs Lili Pereira

Anónimo disse...

ola zé! ja fazia alguns dias que nao ca vinha, e gostei de ler tudo quanto escrevestes...esta tao bém descrito que consegues nos faze la viver como se la tivessemos..espero pelo livro..
beijinhos

Anónimo disse...

É muito constrangedor comentar algo sobre as tuas crónicas, porque não sou muito fluente na escrita e estou mais à vontade a comunicar oralmente e cara a cara com as pessoas, assim a interpretação dos assuntos expostos são codificados literalmente sem desvios de comunicação.


És uma pessoa com convicções, o que é de louvar, quando recebi os “Retalhos” fiquei impressionada, tu escreves muito bem. Consegues transportar o leitor para o terreno, ou seja a viver contigo os momentos por que passaste e sempre à espera do que vem a seguir; consegues prender o leitor.

O teu vocabulário é muito rico, acessível a todos e isso nem todos os escritores o sabem fazer, a não ser um “Garcia Marques”, que por ironia também é Marques.

Não sei o que te hei-de falar mais, apesar de ler bastante, eu à tua beira são uma ignorante.

Cada vez mais te admiro, e fico feliz por saber que colegas meus têm outras facetas na vida e muito interessantes, continua ,que esta de escrever é muito saudável e sublime, deixamos de ser inúteis e desviamo-nos muito do normal, do rotineiro, faz-nos ver o mundo noutra perspectiva.

Um abraço

Anónimo disse...

Olá amigo! Espero encontrá-lo bem e que este ano que já começou lhe traga uma felicidade e muita saúde! Já tenho saudades dos seus emails! Relativamente ao seu post... todas as guerras são estúpidas! Tanto lutaram os portugueses e no final sem nada ficaram. Bjokitas e volte sempre ao meu blog

Anónimo disse...

O que seria da nossa vida se ñ tivessemos retalhos pra contar!!Tenho adoro ler os seus retalhos!

Anónimo disse...

Boa tarde, Zé.

Agora vejo que se empenhou definitivamente nas suas crónicas :) Como vê, todos somos capazes de escrever!
Infelizmente, como sabe, as suas vivências são-me familiares.
Acabo por ficar sempre chocado com a adolescência que vos foi roubada mas interrogo-me se não terão sido mais felizes do que os de agora (exceptuando toda a cruledade vivivida). Pelo menos, souberam o que é a camaradagem, amizade... E actualmente?! A resposta é evidente: - Não!

1 abraço,

Anónimo disse...

Zé,boa noite.
Hoje aqui estive para ler os capítulos que ainda não havia lido e repassar os já lidos.
Inicia-se a angústia da guerra,a dura e fria realidade que viveram você e seus companheiros de sonhos.
Uma frase chamou muito minha atenção:"é na frustração e no desconforto, inerente ao erro, que se fixa a memória da lição adquirida."
Também o seu comportamento,sua firmeza e coragem em animar seus familiares e companheiros de jornada.
Sei que ainda vai me fazer chorar na sequência dos relatos,mas devo reverenciá-lo, pois a cada leitura,mais admiro sua pessoa,que denota um caráter forte e bom.
Agradeço a Deus por haver permitido que você fosse um dos escolhidos para sobreviver e nos dar a oportunidade de conhecê-lo.
Não é por acaso que você atrai tantas pessoas em volta de si!
Abraço,amigo.
Todo meu respeito.
Mary Lane