Mas foi sol de pouca dura. Quando dei por ela, era domingo e já estava de novo na estação. Ás 9:50, esperávamos o comboio que vinha de Valença e nos levaria até à estação de Campanha, no Porto. Uma viagem de 2 horas para fazer 70 km, onde nos esperava, um autêntico pandemónio, com a mudança de comboio que nos levaria ao Entroncamento. Um comboio, já a abarrotar de militares, esperava ainda pelos que vinham na linha do Minho. Era mesmo o desenrascanço à militar. Todos apinhados até à porta, mas os mais atrevidos entravam mesmo pela janela. Os revisores da CP, não se metiam com a maralha, era o salve-se quem puder.
Mais uma viagem Porto/Entroncamento, num domingo à noite, agora com o comboio repleto de militares. Sempre que não arranjava um lugar sentado (e nunca arranjava) ia mesmo deitado nas bagageiras superiores por cima das janelas ou nos preciosos cacifos à entrada da carruagem, com evidente prejuízo para as malas e bagagens. Como em Campanhã já os preciosos lugares estavam faustosamente ocupados, restou-me viver a experiência de dormir em pé, solidamente amparado pelos colegas que me acompanhavam desde Viana. Eles também estavam escorados por uma horda compacta de militares de todos os ramos, estando sempre em maioria os da Boina Castanha (Exército).
Como sempre, uma autêntica viagem aos infernos, de cinco horas, até ao Entroncamento. Na primeira hora, todos conversavam ou pelo menos tentavam fazê-lo, tal era a barulheira, mas momentos depois, rendiam-se ao cansaço de dois dias mal dormidos (os de suposto descanso). Para isso, o maralhal procurava o seu travesseiro que não era mais que o ombro do parceiro.
Quando se ouvia, de forma mais forte, o “pouca-terra” do bater dos carris, a experiência dizia-nos que se aproximava o revisor, para picar os bilhetes. Coitado do homem, levava mais de um hora, em cada carruagem, para cumprir, mal, a tarefa. Havia sempre quem o tentasse ludibriar. Passavam à socapa para lugares já controlados ou escondiam-se em tudo quanto era sitio. O certo é que o melhor lugar para fugir ao picar do bilhete, era aninhado no meio de um grupo, onde o possível contacto ficava à distância do comprimento do braço do revisor até ao visado. Perto de mim, para além dos militares do exército, iam dois grupos, barulhentos, um de mancebos de "páras" e outro de comandos, estupidamente a vangloriarem e a elogiarem o comportamento dos seus instrutores. Cada um deles, como desafiando o outro, parecia delirar de satisfação com as provações físicas e as humilhações sofridas naquela semana, infligidas por alguns fanáticos com patente.
"- O nosso tenente obrigou-nos a mergulhar a cabeça na imundice da fossa do quartel”. “- Ele é o máximo, tem o curso de não sei quê, e esteve na legião estrangeira " - dizia um comando secundado por outros