sábado, dezembro 10, 2005

RETALHOS - Da recruta até à boina I

Concluí a recruta, com a Cerimónia do Juramento de Bandeira, sem a presença de qualquer dos meus familiares, pois a disponibilidade era pouca e os cobres não abundavam. A minha pobre mãe, para além deste rapaz, ainda tinha o meu mano velho, o Manuel Elpídio, no exército em Sacavém. Este, acabou por não ir para a guerra, mas sim, por passar os últimos dias na prisão, à custa de um episódio curioso que, bem lembrado, até dá para rir.
O Manel era casado, por via daqueles deslizes fortuitos entre namorados e quem o queria ver contente, era em casa, junto da mulher e mais tarde do fruto dessa relação que eu apadrinhei. Então vai daí, surripiou os passaportes de saída do quartel, autorizando-se a si próprio a ir visitar a família. Se juntarmos a isto, o facto de, enquanto cabo da guarda, ter permitido a saída do quartel, de colegas não autorizados, deu como resultado uns dias à sombra.
Ah valente mano, só por isso já valeu a pena, de entre os três irmãos que nós éramos, só eu ter batido com os costados na guerra.
Finda a cerimónia, gozei alguns dias de férias, que bem merecia, findas as quais e precisamente no dia em que o meu outro mano, o Fernando, fazia 15 anos, inicio a segunda fase da minha aventura, o Curso de Pára-Quedismo, para a conquista do almejado brevete.
O primeiro dia, confesso que não me agradou muito, pois começou logo pela vacinação contra a febre-amarela. Éramos umas centenas de recrutas alinhados e sentados no chão, já sem camisa, à espera do sacrifício. Passava o primeiro enfermeiro com um tabuleiro de algodões ensopados em tintura de iodo, com que desinfectava a zona onde seria dada a picada. O segundo, vinha com as agulhas e sem parar, espetava uma no sítio assinalado. O terceiro, trazia uma seringa enorme, que enroscava na agulha e comprimia o líquido, que rapidamente era injectado, provocando uma sensação muito dolorosa, agravada pelo terror às enormes agulhas. O quarto, passava com outro recipiente, retirando e recolhendo as referidas agulhas. Por último, um outro enfermeiro, com novos algodões molhados em tintura de iodo, fazia a desinfecção final para minimizar os efeitos da vacina, que provocava uma tremenda reacção deixando o braço quase imobilizado, e impedir a formação de um hematoma.
Assim, demos início ao primeiro dia, das três semanas em terra, com uma bateria de exercícios, especialmente duros, onde se privilegiavam os movimentos de braços, para que o corpo não "emperrasse”. A amostra do primeiro dia, não augurava nada de bom para o cabedal. O curso iria culminar com uma semana no ar, de forma a serem executados seis saltos em cinco dias, para finalmente podermos ostentar no peito, o brevete de pára-quedista.
Acho que nunca sofri tanto na minha vida, como nestas três semanas.
- Quem disse que o homem não chora? Puro engano, chora por amor e chora também pela dor. Senti que o meu arreganho, destemor e vontade de vencer, não chegavam. Valeram o espírito de corpo e os amigos. Destaco o Risotas, sempre com uma palavra de ânimo e coragem apesar do seu sofrimento.
Os exercícios eram desumanos e violentos demais para que, quem está de fora possa acreditar na sua execução. Os que eram feitos em especial com toros de madeira, eram de uma violência extrema, especialmente: os Alás, a Ama-seca, a Rosca, o Combinado, o Lançado e o Cumprimento.
Ao fim de cada sessão diária eu só dizia para o Jorge, colega da escola primária:
- A minha mãe não criou um filho para isto, vão para o raio que os parta
- Zé falta só um dia e vamos conseguir, depois do banho vamos ao bar e pago-te uma cerveja.
- Não brinques comigo pá, acho que ia morrer bêbado -dizia sem fôlego.
- Ai de ti Jorge, se contas esta merda em Viana, a minha mãe, coitada, tinha um chilique.
Ao longe passava um pelotão de novos recrutas, na maior bandalheira, com passos algo trocados. O Fiúza não se conteve:
- A figura que nós fazíamos pá, já pensaste que para a semana já vamos saltar?
- Como o tempo passa - atalhou o Jorge – alguém dizia: incha, desincha e passa.
(Continua)

9 comentários:

Anónimo disse...

muito emocionante este capitulo..sente se bém aquilo que sentias..so imaginar..brrr!!
que momentos , um homen por vezes têm de passar...as mulheres tb passam alguns maus..
esta a ser muito bom , o que admiro tb é os detalhos , é passado longe e te lembras como se tivesse a passar agora..como se tivessemos em frente a tv e a ver o filme
um beijinho
Helena

Anónimo disse...

Força, continua!

Anónimo disse...

a anonymous sou eu... rsss

Anónimo disse...

Bem, vim acabar de ler aqui esta crónica e gostei demais.Aquele parágrafo do"quem disse que um homem não chora" vale ouro.Com carinho, Sónia

Anónimo disse...

Yupi, tb te mudaste ?! Surpreendeste-me agora! Vireu outra hora para espreitar melhor.
Vim somente para deixar os meus votos de felicidade
Beijo Amigo
Céu

Anónimo disse...

Olá, Zé

Atualizando, apenas, minhas leituras de blogs.
Boa semana!

Anónimo disse...

Olá amigo Zé, cá estou eu no teu blog!
Adorei a tua crónica como aliás habitualmente acontece.
E adorei o comentário que me deuxaste. Obrigada pela tua amizade que sabes retribuída.
Um grande beijo
Magicways

Anónimo disse...

Ontem, vendo a reprise de um programa de TV (que eu acredito que vcs conheçam por aí: Menu Para Dois, canal GNT da Globo), soube que o vinho verde é oriundo da região (ou será um vale? não lembro) do Minho e é único no mundo. O tradicional tornou-se inferior em relação ao vinho verde mais elaborado e dentro de outra técnica. Mas, como um bom perfume antigo, já teve seu tempo de glória; uma glória que certamente, segundo o enólogo brasileiro descendente de portugueses, não voltará. Será?

Anónimo disse...

Em qualquer dia e em qualquer lugar haverá outros iguais a mim...
Força e persistência para chegar ao fim da viagem. Há muito para contar sobre a vida dos militares, ainda mais aliciante para a nosa história, sobre os tempos de guerra em África. Veja o site: «www.espacoetereo.no.sapo.pt»
Um abraço do Joaquim Coelho, pára-quedista de 1961