quarta-feira, dezembro 14, 2005

RETALHOS - Da recruta até à boina II

Lá voltámos à temível torre de saltos uma e outra vez. Como a foto ilustra, eram quedas a 45º com embate violento, em que ninguém se magoava, pois bem treinados e preparados fisicamente, o corpo enrolava-se ao tocar no chão.
Tão martirizado pela intensidade dos exercícios e pelos vários embates a que era sujeito: cambalhotas no empedrado, crosses de botas calçadas, luta em que predominava o boxe, pistas de cordas onde queriam fazer de nós uns Tarzan’s, pistas vermelha e branca como meras toupeiras, cada vez me sentia com menos tempo para estar cansado. Ficava á mercê dos instrutores, mas nunca dos abutres. Já interiorizara que eles tinham razão e portanto nem em pensamento os questionava.
Instrução dura, Combate fácil, era o lema que nos norteava sempre. Pensava comigo:
- Vamos para a guerra? Então, há que prepararmo-nos como deve ser.
A semana dos saltos, há muito tempo almejada, tinha chegado, finalmente ia saltar.
- Para a semana serão os saltos – gritou o sargento de cima do palanque - vão finalmente dar corpo a estas semanas de treino intensivo e ganharem merecidamente a vossa boina verde e o brevete.
E gritando a plenos pulmões:
- INSTRUÇÃO DURA…
- COMBATE FÁCIL – Responderam forte, mas com emoção, as centenas de vozes dos futuros pára-quedistas.
Estas seis semanas de instrução reduziram-se a poucos segundos de forma vertiginosa no meu cérebro. O esforço, testado ao limite, o calor a bater no corpo, o suor a escorrer por cada milímetro da pele, o querer vergar pelo cansaço ganho a cada dia que passava, a voz austera, firme e sabedora do instrutor, o testar toda a energia física e mental, era superior a tudo o que eu julgava poder aguentar.
Não me sentia especial, nem diferente dos outros, era sim, um futuro pára-quedista!
A boina era ainda uma miragem, mas estava tão perto... iria consegui-la. Todos os instrutores estavam ali, em frente a nós, a incutir-nos na alma e no sangue o que é ser Pára-quedista... Tudo transpirava à tão falada mística dos Boinas Verdes. Senti o peso de um toro, travando com ele a teimosia de ambos. As calistenias, pareciam minutos intermináveis, mas cada gota de suor ali largada era para que o verde da boina fosse merecido. Os crosses, com os instrutores, que noutra vida quase de certeza foram lebres nunca derrubadas pelo predador, faziam com que no final pensasse que não existia oxigénio suficiente para me restabelecer de tal cansaço... mas foi mais um que concluí! A pista de cordas, cada vez que olhava para ela, só pensava que nada ali era fácil mas ia conseguir! A sensação de se mandar para o chão como se do avião estivesse a sair, fazia com que nesse instante, pensasse que poderiam vir os crosses, as calistenias os saltos da torre e tudo o mais, porque estava ali para ser aquilo que tantos queriam e poucos conseguiam! Realmente o sonho comanda a vida... e agora o sonho vai tomar forma, a forma da placa de embarque do Nordatlas com o seu som inconfundível, o azul do céu e para concluí-lo, os campos do Arrepiado ali ao lado do Tejo....
(Continua

4 comentários:

Anónimo disse...

que intensidade!..queria te perguntar , se depois de teres saido da guerra, se voltastes a saltar de paraquedas o se ainda gostavas de o fazer um dia ?
bjo
Helena

Anónimo disse...

vim aqui pra dizer que estou acompanhando atentamente sua história.À medida que vou lendo,fico a me perguntar se, ser paraquedista (com todos treinamentos exigidos),foi realmente um sonho seu,ou uma "lavagem cerebral"feita pelo governo para levá-los à guerra...
Mas,melhor,por enquanto eu fiar caladinha e aguardar novos relatos.
Abraços,

José Marques disse...

Para Mary lane
Concordo em absoluto contigo quando perguntas: “ser paraquedista (com todos treinamentos exigidos),foi realmente um sonho seu,ou uma "lavagem cerebral"feita pelo governo para levá-los à guerra ?”
Com o acompanhar das memórias verás o que de algum modo já referi:
- “movidos por sonhos mais ou menos comuns de chegar até ao brevete, mas sem avaliar o percurso.”
- “Nada mais falso, o que eles queriam eram voluntários para tropas especializadas a que hoje vulgarmente chamamos: “Forças de Intervenção Rápida”.
Portanto o sonho de voar sobrepôs-se por vezes à “lavagem cerebral” e se tinha que ir para a guerra que fosse bem preparado para pelo menos saber-me defender

Anónimo disse...

Olá,Boa Tarde..
como prometido cá estou eu..
apenas para dizer.."palavras para quê"..
espero que se faça "justiça" e, que "tudo " passe para um livro..
bem merecido..
vou aguardar os proximos capitulos..
bjnho