Ao fim de três semanas, foi-nos concedida uma saída para podermos recuperar energias, visitar a família, os amigos e as namoradas. Quase todos partiram para as suas terrinhas, só quem morava para lá da serra do Marão, não se aventurou pois os dois dias de férias iriam direitinhos para a viagem.
Com a farda azul substituindo a velha farda cinzenta, apresentámo-nos em parada para um revista ao fardamento com todos bem alinhados, botas reluzentes, e com o bivaque altivo da aeronáutica bem aconchegado tentando tapar a careca. Surgiu finalmente a voz de comando mais ansiada:
- DESTROOOÇAR…
Como por magia só se via bivaques no ar a comemorar, como se tivesse acabado a vida militar e não um simples passaporte de fim-de-semana ao fim de vinte e um dias.
Foram dois dias que voaram num ápice. Às cinco da manhã de segunda-feira, estava de volta ao quartel pronto para novas batalhas. Mais de uma dúzia de recrutas aproveitou para não voltar mais optando pela deserção. Enquanto desfazia o saco da roupa lavada, que minha mãe tinha esmerado e acautelava o chouriço da ordem no armário, reparo no Covilhã (um recruta que era pastor na serra da estrela - daí a alcunha) com aquele porte físico impressionante de farda verde de instrução, deitado no chão, rejeitando a cama esmeradamente feita, completamente pronto para iniciar a recruta às oito horas e não resisti:
- Covilhã, para te deitares no chão deves estar maluco ou com saudades da serra e das ovelhas.
- O gajo está maluco – diz outro.
Responde o Covilhã com absoluta calma:
- Malucos estais vós! Prefiro dormir no chão e aproveitar este tempinho do que perder meia hora a fazer a cama. Logo mais, está na hora de ir dar cabo do cabedal.
Olhámos uns para os outros e quase todos seguimos o exemplo.
O tempo vai passando e o corpo acostuma-se à dor. Os nervos fintando as emoções e os desejos para responder apenas perante a razão. Braços treinados e cabeças frias perante a dureza da recruta.
Em finais de Julho de 1970, com o aproximar do fim da recruta, autocarros azuis da Força Aérea esperam-nos para uma visita de estudo à Barragem do Castelo de Bode e à Nazaré. Eis que surge a notícia há muito esperada principalmente por quem aguarda mudanças: a morte de Salazar. Depois de uma cadeira ter-lhe pregado realmente uma partida: queda, a cabeça a bater no chão, hematoma cerebral, bloco operatório, diminuição das faculdades mentais o que o levou a dois anos em agonia.
Depois de muito hesitar, Américo Tomás acaba por nomear Marcelo Caetano para a Presidência do Conselho de Ministros. Alguns, junto de Salazar, fingem que é ele ainda o Presidente do Conselho ou ele finge acreditar na encenação e, a fingir, lá vai dando despacho aos assuntos correntes. Morre a 27 de Julho de 1970, com 81 anos de idade e 42 de poder ininterrupto.
Estando a nossa escola de recrutas praticamente concluída e o pessoal devidamente fardado fomos aproveitados para irmos ao Mosteiros dos Jerónimos onde o ditador estava em câmara ardente, fazer a visita da ordem, na segunda metade da aprazada visita.
Cerca de duas semanas depois, terminei a minha recruta com aproveitamento, em 14 de Agosto de 1970.
Com a farda azul substituindo a velha farda cinzenta, apresentámo-nos em parada para um revista ao fardamento com todos bem alinhados, botas reluzentes, e com o bivaque altivo da aeronáutica bem aconchegado tentando tapar a careca. Surgiu finalmente a voz de comando mais ansiada:
- DESTROOOÇAR…
Como por magia só se via bivaques no ar a comemorar, como se tivesse acabado a vida militar e não um simples passaporte de fim-de-semana ao fim de vinte e um dias.
Foram dois dias que voaram num ápice. Às cinco da manhã de segunda-feira, estava de volta ao quartel pronto para novas batalhas. Mais de uma dúzia de recrutas aproveitou para não voltar mais optando pela deserção. Enquanto desfazia o saco da roupa lavada, que minha mãe tinha esmerado e acautelava o chouriço da ordem no armário, reparo no Covilhã (um recruta que era pastor na serra da estrela - daí a alcunha) com aquele porte físico impressionante de farda verde de instrução, deitado no chão, rejeitando a cama esmeradamente feita, completamente pronto para iniciar a recruta às oito horas e não resisti:
- Covilhã, para te deitares no chão deves estar maluco ou com saudades da serra e das ovelhas.
- O gajo está maluco – diz outro.
Responde o Covilhã com absoluta calma:
- Malucos estais vós! Prefiro dormir no chão e aproveitar este tempinho do que perder meia hora a fazer a cama. Logo mais, está na hora de ir dar cabo do cabedal.
Olhámos uns para os outros e quase todos seguimos o exemplo.
O tempo vai passando e o corpo acostuma-se à dor. Os nervos fintando as emoções e os desejos para responder apenas perante a razão. Braços treinados e cabeças frias perante a dureza da recruta.
Em finais de Julho de 1970, com o aproximar do fim da recruta, autocarros azuis da Força Aérea esperam-nos para uma visita de estudo à Barragem do Castelo de Bode e à Nazaré. Eis que surge a notícia há muito esperada principalmente por quem aguarda mudanças: a morte de Salazar. Depois de uma cadeira ter-lhe pregado realmente uma partida: queda, a cabeça a bater no chão, hematoma cerebral, bloco operatório, diminuição das faculdades mentais o que o levou a dois anos em agonia.
Depois de muito hesitar, Américo Tomás acaba por nomear Marcelo Caetano para a Presidência do Conselho de Ministros. Alguns, junto de Salazar, fingem que é ele ainda o Presidente do Conselho ou ele finge acreditar na encenação e, a fingir, lá vai dando despacho aos assuntos correntes. Morre a 27 de Julho de 1970, com 81 anos de idade e 42 de poder ininterrupto.
Estando a nossa escola de recrutas praticamente concluída e o pessoal devidamente fardado fomos aproveitados para irmos ao Mosteiros dos Jerónimos onde o ditador estava em câmara ardente, fazer a visita da ordem, na segunda metade da aprazada visita.
Cerca de duas semanas depois, terminei a minha recruta com aproveitamento, em 14 de Agosto de 1970.
4 comentários:
Zé,
Olá como vais? Que interessante: eu não sabia que o grande ditador passara mais de metade de sua vida governando-os. Terá um objeto realizado um trabalho que homem algum jamais fez por falta de coragem?
Abraço.
olá josé,
vim dar-te um abraço apertado,
és uma pessoa extremamente sensivel e ao mesmo tempo inteligente, existe poucas pessoas, capazes de transmitir os seus sentimento pelo sabor das palavras,
de facto és um ser especial
aquele abraço deste teu amigo
Grande Para-quedista
Gostei da tua historia.
Que nunca por vencidos se conheçam
Guerra
1616/73
Grande Para-quedista
Gostei da tua historia.
Que nunca por vencidos se conheçam
Guerra
1616/73
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