domingo, dezembro 04, 2005

RETALHOS - Incha, desincha e passa II (fim)

Ao fim de três semanas, foi-nos concedida uma saída para podermos recuperar energias, visitar a família, os amigos e as namoradas. Quase todos partiram para as suas terrinhas, só quem morava para lá da serra do Marão, não se aventurou pois os dois dias de férias iriam direitinhos para a viagem.
Com a farda azul substituindo a velha farda cinzenta, apresentámo-nos em parada para um revista ao fardamento com todos bem alinhados, botas reluzentes, e com o bivaque altivo da aeronáutica bem aconchegado tentando tapar a careca. Surgiu finalmente a voz de comando mais ansiada:
- DESTROOOÇAR…
Como por magia só se via bivaques no ar a comemorar, como se tivesse acabado a vida militar e não um simples passaporte de fim-de-semana ao fim de vinte e um dias.
Foram dois dias que voaram num ápice. Às cinco da manhã de segunda-feira, estava de volta ao quartel pronto para novas batalhas. Mais de uma dúzia de recrutas aproveitou para não voltar mais optando pela deserção. Enquanto desfazia o saco da roupa lavada, que minha mãe tinha esmerado e acautelava o chouriço da ordem no armário, reparo no Covilhã (um recruta que era pastor na serra da estrela - daí a alcunha) com aquele porte físico impressionante de farda verde de instrução, deitado no chão, rejeitando a cama esmeradamente feita, completamente pronto para iniciar a recruta às oito horas e não resisti:
- Covilhã, para te deitares no chão deves estar maluco ou com saudades da serra e das ovelhas.
- O gajo está maluco – diz outro.
Responde o Covilhã com absoluta calma:
- Malucos estais vós! Prefiro dormir no chão e aproveitar este tempinho do que perder meia hora a fazer a cama. Logo mais, está na hora de ir dar cabo do cabedal.
Olhámos uns para os outros e quase todos seguimos o exemplo.
O tempo vai passando e o corpo acostuma-se à dor. Os nervos fintando as emoções e os desejos para responder apenas perante a razão. Braços treinados e cabeças frias perante a dureza da recruta.
Em finais de Julho de 1970, com o aproximar do fim da recruta, autocarros azuis da Força Aérea esperam-nos para uma visita de estudo à Barragem do Castelo de Bode e à Nazaré. Eis que surge a notícia há muito esperada principalmente por quem aguarda mudanças: a morte de Salazar. Depois de uma cadeira ter-lhe pregado realmente uma partida: queda, a cabeça a bater no chão, hematoma cerebral, bloco operatório, diminuição das faculdades mentais o que o levou a dois anos em agonia.
Depois de muito hesitar, Américo Tomás acaba por nomear Marcelo Caetano para a Presidência do Conselho de Ministros. Alguns, junto de Salazar, fingem que é ele ainda o Presidente do Conselho ou ele finge acreditar na encenação e, a fingir, lá vai dando despacho aos assuntos correntes. Morre a 27 de Julho de 1970, com 81 anos de idade e 42 de poder ininterrupto.
Estando a nossa escola de recrutas praticamente concluída e o pessoal devidamente fardado fomos aproveitados para irmos ao Mosteiros dos Jerónimos onde o ditador estava em câmara ardente, fazer a visita da ordem, na segunda metade da aprazada visita.
Cerca de duas semanas depois, terminei a minha recruta com aproveitamento, em 14 de Agosto de 1970.

4 comentários:

Anónimo disse...

Zé,
Olá como vais? Que interessante: eu não sabia que o grande ditador passara mais de metade de sua vida governando-os. Terá um objeto realizado um trabalho que homem algum jamais fez por falta de coragem?
Abraço.

Anónimo disse...

olá josé,
vim dar-te um abraço apertado,

és uma pessoa extremamente sensivel e ao mesmo tempo inteligente, existe poucas pessoas, capazes de transmitir os seus sentimento pelo sabor das palavras,

de facto és um ser especial

aquele abraço deste teu amigo

Anónimo disse...

Grande Para-quedista

Gostei da tua historia.

Que nunca por vencidos se conheçam

Guerra
1616/73

Anónimo disse...

Grande Para-quedista

Gostei da tua historia.

Que nunca por vencidos se conheçam

Guerra
1616/73