sexta-feira, julho 14, 2006

A pressão política sobre o poder judicial (… vista do nosso quintal)

(da caixa do meu correio)

A Itália é campeã do Mundo e bem o merece. São campeões do Mundo em tudo. Em futebol, em malandros do futebol, em polícias do futebol, em justiça do futebol. Em nenhuma destas especialidades são ultrapassados.
Dentro das quatro linhas são impecáveis no seu jogo cínico e eficaz. Fora das quatro linhas, o futebol italiano depura-se periodicamente e renasce mais forte.
Em Itália, a última depuração coincidiu com o último título mundial. Estão duas vezes de parabéns.
Mudando de assunto:
Em Portugal, segundo uma notícia do Público, a Assembleia da República, baluarte do Estado democrático, convidou o presidente do FC Porto para um jantar dentro do espaço do Parlamento. De acordo com as declarações da deputada socialista Rosa Albernaz trata-se de «um jantar-convívio», de «uma iniciativa que já vem de há muitos anos, já foi feito com o Benfica e com o Sporting».
Quando a deputada diz que «já vem de há muitos anos», presume-se que queira dizer que já tinha acontecido antes de existir na justiça portuguesa o processo de corrupção denominado Apito Dourado. É uma suposição, claro está.
«Assim como se convidam autarcas de dirigentes de associações, convidamos também o senhor Pinto da Costa», esmiuçou a deputada socialista, ou seja, do partido que nesta altura do campeonato forma o Governo.
A notícia terminava em beleza: «Pinto da Costa será recebido antes do jantar pelo presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.» Ora Jaime Gama nem vai muito em futebóis. Não gosta e está no seu direito. Ou será que já gosta? Também está no seu direito.
Mudando drasticamente de assunto:
Pinto da Costa é um dos envolvidos do processo Apito Dourado. As acusações sobre o presidente do FC Porto são tudo menos lisonjeiras.
As transcrições de conversas telefónicas que o envolvem podem não ser válidas para o Ministério Público mas são válidas para a opinião pública, para o mais comum dos cidadãos. Esses mesmos cidadãos, um a um, que elegem os deputados da Assembleia da República.
Mudando completamente de assunto:
A Assembleia da República é, portanto, um lugar respeitável. Não pode ser um terreiro de comícios contra o curso da justiça, como já foi, infelizmente, por ocasião de um outro processo judicial, o da pedofilia.
Uma viragem de 180 graus no assunto:
«A Federação Portuguesa de Futebol também podia aplicar sanções, como em Itália, aos clubes apanhados nas escutas do Apito Dourado. Não há nada que o proíba, nem sequer que impeça que algumas das matérias já arquivadas no âmbito criminal possam ser sujeitas a sanções desportivas no âmbito disciplinar. "O que acontece no nosso país é um problema de mentalidades. Todos acham que uma actividade só é ilícita se for penalmente criminalizada", diz ao Público, António Cluny, procurador-geral adjunto.»

Por acaso também já tinha pensado nisto.
Um assunto diferente:
Jantarão bem os deputados com o presidente do FC Porto?
Ainda haveremos de chegar ao ponto de ouvir dizer que os deputados, com a ironia do costume, votaram a lei tal e tal…
Uma ideia completamente disparatada, atendendo ao país:
A pressão do poder político sobre o poder judicial é o maior flagelo das sociedades ocidentais, democráticas e asseadas.
Por muito inocente, folclórico e exclusivamente gastronómico que seja o jantar na Assembleia da República oferecido ao presidente do FC Porto, num momento em que há um processo a correr — mesmo sabendo todos, como suspeitamos, que vai prescrever e ser arquivado — estamos perante um caso lamentável de mais do que aparente pressão do poder político sobre o poder judicial.
Democratas, ocidentais, asseados… depois queixem-se.
Na próxima quinta-feira, nesta página, prometo aos leitores uma reportagem detalhada ao pormenor do jantar oferecido pela Assembleia da República ao presidente do FC Porto. Foram instalados vários microfones nos cestinhos de pão e poderemos, assim, todos desfrutar dos diálogos, graças e trocas de confidências entre os convivas. Se tiver paciência, vou traduzir para italiano as transcrições das gravações. A ver se a coisa fica mais divertida.

A.P


2 comentários:

Anónimo disse...

Pior que na maioria das vezes,o que precisa ser resolvido, punido,esclarecido termina-se em pizza..
Ligia

Anónimo disse...

nem sei que te dizer sobre este post..
quem rouba pao para comer pq tava com fome é punido, e quem faz enormidades é recebido dessa maneira..
vivemos num mundo assim, um mundo sem jeito, onde as pessoas que nos representam fazem coisas dessas..e vao comer a custa de quem ? ...a nossa, claro..
um beijo