quinta-feira, setembro 21, 2006

RETALHOS - A Viagem (III)

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Quando se deixou para trás Lisboa e posteriormente a Ilha da Madeira ficou também muito de nós e os melhores anos das nossas vidas. As saudades são já indescritíveis e uma solidão enorme invade-nos. Os soldados lá se acantonam pelo convés e à sombra das baleeiras tentam combater esta ociosidade aliada ao stress de uma viagem para a guerra, mas uma melancolia sem remédio domina-os.
Nos tempos mornos da viagem tínhamos por companhia um mar de água, cuja cor se confundia com um céu de chumbo quente. O sul confundia-se com a guerra e os militares confundiam-se com a família. As memórias de vinte anos, destes rapazes feitos homens, vinham novamente ao pensamento. O Fugitivo, a Lassie, o Robin dos Bosques e o Zorro (séries da televisão) confundiam-se com guerrilheiros. As brincadeiras ao pião e ao espeto confundiam-se com o jogo da lerpa, e essas brincadeiras de crianças confundiam-se agora com a contenda que nos esperava.
Lembro-me do meu primeiro pião de bucho que se confunde também com o meu primeiro roubo. Os piões alinhadinhos na vertical e pendurados numa corda estavam ali como a desafiar-me e eu não resisti: fui ao último e zás… Passados uns minutos já a minha velhota tinha sido avisada. Levou-me pelas orelhas até devolver o pião na drogaria, tudo isto tendo como testemunha o velhinho mercado municipal. E foi precisamente nesse local que acabou por nascer o maior aborto urbanístico (prédio do Coutinho) que há memória em Viana do Castelo. Finalmente, passados trinta anos, está prestes a ser demolido corrigindo e despoluindo o horizonte desta cidade.
Estava eu absorvido pela saudade e divagando pelas minhas memórias quando alguém grita à porta do camarote:
“- Há porrada junto ao cinema e acho que é com os Comandos.”
Quase ninguém se mexeu nem pestanejou demonstrando total indiferença pelos que se entretinham a jogar à galheta. Como eu também não me mexi, pois estava observando a lerpa, algum esperto me alertou:
“- Oh Marques, não és tu que estás de cabo dia? Parece que temos malta nossa envolvida.”
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continua

5 comentários:

Gwendolyn Thompson disse...

Oi, Zé,

Mais uma vez vemos aí um aspecto doloroso da guerra: jovens, que mal deixaram os brinquedos, eram levados a matar e morrer numa coisa estúpida chamada guerra. Bela forma de relatar suas lembranças. Parabéns mais uma vez.

Beijos
May

Anónimo disse...

MAR..........ONDAS QUE SE ARREBENTAM,COMO A VIDA DESSES JOVENS SAO ARREBENTADAS NA MELHOR ETAPA,POR ESSA GERRA TERRIVEL,ONDE O PRAZER DE VIVER E SABOREAR AS PEQUENAS COISAS SAO LEVADAS
A CENA DO PIÃO,A DESCOBERTA DA MÃE,O CASTIGO,ME ENTERNECERAM LEMBRANDO EPÓCAS TÃO DISTANTES,ONDE TUDO ERA SABOREADO.,DEIXANDO OS OLHOS A BRILHAR DE CONTENTAMENTO.
ESSAS LEMBRANÇAS ,AJUDAM E DÃO NOVAS FORÇAS.
MESMO ,DE TANTO TEMPO A CIDADE GANHA UM PRESENTE,A DEMOLIÇÃO!
AINDA BEM ,QUE EM MOMENTOS TERRIVEIS,TEMOS LEMBRANÇAS QUE NOS LEVAM A FLUTUAR.
liGIA

MGomes disse...

Excelente testemunho de uma realidade por que passaram milhares de jovens portugueses.
Parabéns.
Um Abraço

Anónimo disse...

Sorrir é o segredo para quem quer viver. Sorrir é a
aventura, é voar pelo horizonte no azul celeste
num simples fechar de olhos.

Sorrir é dar mais emoção à vida, é viver mais intensamente,
é dar mais valor as próprias lagrimas... É torná-las com
um sentimento mais profundo, mais verdadeiro.

SORRIA, pois é só sorrindo que se
vive mais intensamente!

Parabéns pelo blog .

Gwendolyn Thompson disse...

Zé.
Feliz aniversário!
Desejo que este dia seja repleto de muitas alegrias junto aos que ama.

Beijos no coração.

May