quarta-feira, novembro 09, 2005

RETALHOS - Embarcar para a aventura I

Em 12 de Dezembro de 1969, em Itália, ocorre o "Massacre de Estado": bombas colocadas por fascistas, e manipuladas pelos serviços secretos italianos que praticam a "estratégia da tensão" (o que só se soube anos mais tarde), explodem na estação de Milão, matando várias pessoas. O anarquista Pietro Valpreda é acusado e preso por dois anos, injustamente.
Cinco dias após estes acontecimentos, lá estava eu na estação dos Caminhos-de-ferro em Viana, pelas 22 horas, para embarcar na aventura de fazer 300 km em cerca de 7 horas.
Tinha sido convocado para prestar testes nos pára-quedistas em Tancos. Tancos é uma freguesia de Vila Nova da Barquinha, situada no centro do país, com uma população civil de cerca de 600 almas, onde para além do Entroncamento que deve o seu nome ao facto de aqui entroncarem duas linhas de comboio: a que liga Lisboa ao Porto, e a que liga a Linha do Norte a Espanha, surge situado numa pequena ilha escarpada, no curso médio do rio Tejo, o Castelo de Almourol que é um dos monumentos militares medievais mais emblemáticos e cenográficos da Reconquista, sendo, simultaneamente, um dos que melhor evoca a memória dos Templários no nosso país.
Lá chegámos por volta das 5 horas da manhã, 50 candidatos a pára-quedistas de vários pontos de país, cansados da viagem mas também excitados pela aventura. Ficaram todos à conversa, todos com histórias para contar. Sentia-se ali um misto de basófilas e valentões e eu lá pensei com os meus botões: onde é que me vim meter? Acabando por comentar com o Fiúza pescador:
- Pá, já viste isto? Acho que não pertenço a esta guerra, só marados e cabeludos.
Então debaixo daquela calma enervante diz o Jorge Viana:
- Tende calma, não há-de ser nada, se eles conseguem… nós vamos conseguir.
E pensava eu que era um puto reguila da rua. Comparado com os tripeiros da banharia, alfacinhas e outros, até me sentia meio envergonhado.
E quase sem darmos conta, toca o clarim de alvorada e como uma mola todos nos levantámos pensando que era para nós. A partir desse momento, acho que as pulsações subiram para a centena e por lá permaneceram, durante todo o dia. Enquanto isso, os militares “verdadeiros” lá se preparavam para a formatura e para mais um dia de instrução militar.
E lá fomos nós também para a parada, bem desalinhados como convêm para irmos ao pequeno-almoço. Depois disso sim, aí é que foram elas. Pois na parada avisaram que íamos ter toda a manhã para exames médicos e de tarde para a parte física, e logo comentei:
- Não fizerem já isso no verão em Viana?
E atalha logo o habitualmente calmo e pacato Jorge Viana:
- Em Viana exames médicos para ir para a tropa? Tás maluco, lá só foi para mostrar os tomates e ir para a lista dos apurados. Não resistimos a uma sonora gargalhada.
Como é norma ficámos todos nus toda a manhã, mas agora com uma simples diferença: estava um frio de rachar. Todos bem alinhados e virados contra uma parede. Lá chegaram os tipos de bata branca com um marcador preto na mão dizendo ao colega mais próximo, mas desta vez com educação:
- Levante o pé se faz favor!
E nós apesar de nos sentirmos como simples cavalos para ver os cascos, a forma educada como fomos interpelados, desarmou-nos. E lá foram eles fazendo algumas cruzes nas plantas dos pés e eu sem perceber patavina. Chegou a minha vez, analisaram e deixaram uma cruz num deles o que me deixou ainda mais confuso. Mais tarde vim a saber que também tinha os pés um pouco “chatos” mas com o resto estava tudo bem. Entre medições, auscultações e pesagens, começaram a excluir os casados, quem tinha problema de dentes ou varizes e sei lá mais o quê, só sei que nos testes físicos reprovaram metade, sobrando para a parte da tarde 25. Na ida para o almoço um pára-quedista que por lá andava e com ar de “peito inchado” foi avisando:
- Da parte da tarde nas provas físicas, “vão de vela” mais metade.

(Continua)

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