sexta-feira, junho 30, 2006

RETALHOS - A sabotagem (I)

Como era o mais antigo, decidi entrar logo de serviço ou de prevenção vinte e quatro horas por dia, naquela semana. Se não houvesse embarques para África o trabalho era quase nulo ou rotineiro. Os focos de problemas só surgiam ao fim-de-semana e as saídas de ronda pela capital eram normalmente tidas como efeito dissuasor.
O facto de sermos uma Policial Militar em tempo de guerra, permitia-nos, quando em serviço, ter acesso a todos os locais públicos sem qualquer tipo de impedimento ou constrangimento.
Assim, pela primeira vez e até hoje a única, fui assistir a uma sessão de stripteaser, no Hotel Ritz que ficava ali sobranceiro à rotunda do Marques de Pombal. Para mim era uma autêntica novidade. Apesar de não ser oriundo de uma aldeia dos confins da serra, a minha cidade, ainda hoje pacata, não era dada a essas modernices de então, sendo coisas só da capital e das grandes cidades. Não nego que algo em mim acelerou quando as luzes baixaram e se ouviu a música acompanhada da actuação de uma das mulheres, onde todos os olhares se concentraram. A mulher entrou com um cigarro aceso entre os dedos, caminhando docemente para captar a atenção dos espectadores. O seu dançar sensual, o despir atrevido, o seu corpo mantido em forma, sem sacrifício, mostravam uma mulher normal, não muito bonita, mas muito feminina. Era capaz de provocar muitas sensações ao bambolear as ancas, ao roçar-se no poste ou ao deitar-se lânguida no chão e a abrir as pernas... Imaginei que ela se aproximava da minha cara e sentia o seu cheiro, como ela o fez, durante a actuação, junto de caras desconhecidas. A avaliar pelas suas expressões cheiraria bem a vulva e saberia melhor, a avaliar pelo aspecto de alguns. A dançarina sabe o que vale, sabe o que provoca, mas não dá a quem quer.
Aqui não se podia “despir” a farda, nem sequer mostrar as emoções. Éramos quatro militares, fingindo ser assexuados, que se passeavam por detrás da plateia, simulando espreitar alguém fardado por perto. Era um olho no pau, outro no cigano.

4 comentários:

Gwendolyn Thompson disse...

Muito mas muito bom este texto, como todos. Neste em particular tenho a sensação de ver realmente toda a cena, tal a clareza dos detalhes, o que caracteriza muito bem o grande talento do escritor.
Mais uma vez parabéns Zé.

Beijos

May

Menina do Rio disse...

Obrigada Zé!

Ando pouco por aqui e ainda não sei lidar com ele, mas vou tentar melhorar. É que o outro me toma tempo...
Adorei te ver por aqui...

Beijo doce

Anónimo disse...

Não vou referenciar o óbvio, que é a qualidade deste blogue, mas tão somente dizer que, para quem não teve a experiência militar no tempo do fascismo, o seu conteúdo tem-se revelado um retrato fiel do serviço militar (obrigatório, entenda-se), e de algumas particularidades por parte de quem, sem pretender, seguramente, fazer história, relata momentos da vida militar, na qual, muitos se revêem.
Ser-se Boina-Verde, pára-quedista de Portugal, para além de ser uma experiência única, foi e é, enriquecedora a vários níveis.
Este blogue é o exemplo do que afirmo.

Porque é este o caminho que entendo como certo, só posso apelar que continues.
É que as grandes coisas, são sempre o sumatório de "pequenas" coisas.

Um forte abraço!

Anónimo disse...

Descobertas,indagações,novidades povoando o interior de jovens que foram lançados a guerra.
Ligia