quinta-feira, março 23, 2006

RETALHOS - Tudo o resto ficava para trás II

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Todos sabíamos que aquilo era dito só da boca para fora, pois o Cunha era um camarada íntegro e solidário. Era o seu sangue a ferver naquele corpo pequeno mas raçudo, com tez aciganada e com uma força física incrível que lhe valeu o 2º lugar nas provas físicas logo atrás do Covilhã que era só por si uma força da natureza.
No rosto de todos vislumbrava-se a alegria. O brevete de Pára-quedista e o crachá de Caçador, preso no lado direito do peito inchado pelo orgulho de termos conseguido superar todas as adversidades, fora uma dura conquista. Havia uma vaidade incontida por se sentirem, finalmente, pára-quedistas de corpo inteiro.
Por fim uns dias de férias. Sentimo-las como se fossem para uma despedida dos amigos, das namoradas, dos pais, e de toda uma vida que ficava para trás. Só não se deixavam os filhos para trás porque não aceitavam nas Tropas Pára-quedistas mancebos casados. Era como tirar um passaporte para a guerra, talvez para a morte, com pena suspensa, mas nunca para a vida. A vida, essa ficava nas vilas e aldeias onde cada um deixava um pouco de si.
Éramos combatentes preparados física e psicologicamente para enfrentar a guerra, de olhos nos olhos, sabendo que pouco nos restaria no infinito e de nada valia temer o inferno. Isso diferenciava-nos dos demais militares. Os casados não eram aceites, exceptuando os militares de carreira, já bastava deixarmos os pais num sofrimento ao partir para a guerra.
A Nação mandava os seus melhores filhos para África, como antes os tinha mandado para a Índia, com resultados nefastos quer para o país, quer para quem por lá ficou ou amargurou pelo oriente. Salazar, o ditador, comunicou à nação que só esperava, como resultado do combate, na Índia, "militares vitoriosos ou mortos".
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2 comentários:

Anónimo disse...

Caro camarada
Gostaria de saber onde é que foi descobrir essa, de os candidatos a pára-quedistas "no antigamente" não serem aceites, por serem casados?
Eu estive, (também), no BCP21 (1971/73 - 1º. Pel. - 3ª. CCP) e só na minha secção, que me lembre de momento, pelo menos 3 eram casados, com filhos, (acho, que dois deles com 2 filhos) (451/71 - Freitas, 534/71 - Ferreira e o 770/71 - Germano). Um deles, "levou" mesmo a mulher para Luanda. Aliás, quase me atrevo a dizer que mais de 20% dos praças para-quedistas eram casados, que se considerarmos que tinham cerca de 21 anos de idade, era capaz de ser uma percentagem muito superior à nacional.
Garanto-lhe que também não eram nem beneficiados, nem prejudicados, por isso. "Alinhavam" como os outros.
Também lhe garanto que naqueles "momentos de verdade", (caso de assaltos - zonas de morte), em que não eram permitidas falhas e que muitas vezes os chamavamos por "apelidos" não consentâneos com o seu estatuto de estado civil, nunca nenhum deles se sentiu ofendido.
Havia também quem dissesse que dois irmãos não podiam ser mobilizados para o Ultramar ao mesmo tempo.
No meu pelotão tinha dois. (Os irmãos Dias, do Fundão) - 73/69 (o Careca) e o 545/71, que estiveram juntos no pelotão, quase um ano (1972), chegando a ir para o "mato" juntos.
Saudações pára-quedistas
J.M. (ex-Fur/Mil/Pára)

José Marques disse...

Nem sei como o tratar, pois não se identifica.
Mas caro amigo e colega de armas, obrigado pelo seu comentário e pela correcção, mas ao nível de praças, estava convencido que era assim,
Quantos aos irmãos, claro que era possível, pois tb tive um caso desses no meu pelotão (1ª CCP, 2º pelotão) os irmãos Viana, que por sinal eram mesmo tal como eu de Viana do Castelo.
Um abraço