domingo, março 19, 2006

RETALHOS - Tudo o resto ficava para trás I

Foram quase nove meses de instrução militar exigindo-nos total disponibilidade física e psíquica, onde o sacrifício por vezes se tornava sobre-humano. Que podia fazer? Só tinha duas saídas possíveis: desistir ou esforçar-me para tentar ultrapassar as minhas dificuldades.
Desistir, significava virar as costas às dificuldades pessoais e humanas que se me deparavam e impediam de progredir e isso, não queria, não só por vergonha de aparecer na minha terrinha como um derrotado, mas também por solidariedade para com os meus companheiros, com quem aprendi o verdadeiro significado da palavra solidariedade.
Esforçar-me requeria passar por cima de mim mesmo, das minhas dificuldades internas, custasse o que custasse. A partir do momento em que eu senti ser importante superar o desafio, exigi de mim próprio o cumprimento da "missão". Impunha-se activar todas as minhas forças, mesmo aquelas vindas de não sei onde. Foi assim que descobri possuir capacidades até então nunca reveladas.
Senti, muitas vezes, necessidade de ajuda. Faltavam-me recursos e sozinho não conseguia trilhar o meu próprio caminho. Mas também nesses momentos me consciencializei da necessidade de ultrapassar todos os obstáculos. Estava determinado a conquistar a recompensa de me poder sentir um real vencedor.
Ao longo destes nove meses de parto, em muitos momentos, senti que precisava de me "ouvir" e escutar-me. Não é uma tarefa fácil quando estamos em plena guerra interna, desesperados com as questões e exigências quase sobre-humanas.
Enfim… como dizia o Cunha, quando se viu ao peito com o crachá de caçador pára-quedista:
“- Puta que pariu pá… somos uma máquina.”
“- Não há caralho que nos foda.”
“- Tirando o Sargento Vermelhinho, não é Braga?”. Dizia o Risotas, com ar de gozo naquele seu jeito característico, referindo-se ao Cunha.
“- Não me falem nesse cabrão. Ainda bem que foi bater com os cornos para a Guiné.”
.../...

2 comentários:

Anónimo disse...

Estou a gostar destes teus retalhos.
Continua para nos dares a conhecer os sentimentos e emoções que passavam pela cabeça dos bravos soldados portugueses.
Fica bem.

Anónimo disse...

“- Não me falem nesse cabrão. Ainda bem que foi bater com os cornos para a Guiné.”
Zé Marques!
Gostei especialmente desta frase, nos teus Retalhos. Naquela altura todos tinham medo da Guiné. Sinto muito orgulho em ter lá estado, embora tivesse ficado com a saúde mais debilitada. Com as "injecções de cavalo" que apanhámos, nada nos pegava, mas agora...