quinta-feira, fevereiro 02, 2006

RETALHOS - O frio da realidade II

Havia sete Berliet’s para outros tantos pelotões. O comandante do curso era transportado num Unimog, viatura que se revelava um veículo militar muito instável e de alta perigosidade, pela facilidade com que se despistava e capotava. Originava, nas guerras de África, um número elevadíssimo de acidentes, provocando mortos e feridos graves.
A coluna militar vista de trás, dava-me uma visão fantasmagórica que eu me habituei a ver no transporte de tropas, em filmes de guerra. Rapidamente a minha mente voava para tudo o que me tinha trazido até este momento. Eu só queria ser pára-quedista e saltar de avião. Nunca me passou pela cabeça as aventuras em que me vim meter. Por força das circunstâncias e pelos laços de amizade que se foram alicerçando, com todos os camaradas e com alguns instrutores, que apesar de tudo nos tratavam como pessoas e nos ajudavam a formar homens, para além de guerrilheiros, dei comigo a gostar desta família.
Passei a ponte de Constança sobre o rio Zêzere. Este depois de serpentear ao longo de mais de 200 km conflui uns metros abaixo com o rio Tejo. Já na outra margem e com o dia a alvorecer, a minha cabeça meio abandonada, entre as orelhas, começou a fervilhar e os meus olhos a deixarem de ver para o lado de fora das coisas.
Fui reparando nos semblantes dos meus companheiros de armas e tentando adivinhar o que lhes ia na alma. Sentíamo-nos como uns cadastrados ligados à grilheta um dos outros. Ninguém falava e não era só o frio daquele Dezembro gélido de 1970, mas também o frio da realidade que nos tolhia.
De entre todos os que se procuravam livrar do frio cortante, que entrava por nós dentro, sobressaía o bom gigante do Patacão. Um alentejano no seu estado puro, lento e calmo em tudo o que fazia, até no pensar era lento. Nem as pernas enormes assentes num 46, de botas, o faziam andar mais depressa. Tinha a tez queimada pelo sol das planícies alentejanas. De perto, só se lhe vislumbrava um nico de cara e a luz dos olhos.
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1 comentário:

Anónimo disse...

Digo-te uma coisa José Marques, com a facilidaee com que tu escreves e o tipo de escrita, realmente ESTÁS Á ESPERA DE QUÊ PARA EDITARES UM LIVRO????????? , acho que já são horas de passares para o papel aquilo que escreves no blog, porque senão ninguém o compra porque já leu tudo!